Macbeth – William Shakespeare

By | August 2, 2022

Quando Duntan, o Bom, reinava na Escócia, vivia ali um poderoso barão, chamado Macbeth. Parente próximo do rei, Macbeth gozava de grande estima na corte por seu valor e atuação nas guerras, nas quais dera um recente exemplo de coragem, ao derrotar um exército rebelde que se aliara a numerosas tropas da Noruega.

No regresso dessa grande batalha, os dois generais escoceses, Macbeth e Banquo, passaram por uma região pantanosa mal-assombrada, onde foram detidos pela aparição de três vultos. Os três assemelhavam-se a mulheres, exceto pela barba que lhes cobria o rosto. Tinham peles ressequidas, e suas estranhas indumentárias lhes tiravam qualquer parecença com outros seres deste mundo. Foi Macbeth quem lhes falou primeiro. Mas as três figuras, como que ofendidas, levaram cada uma o dedo esquelético aos lábios murchos, impondo-lhe silêncio. A primeira saudou Macbeth pelo seu título de barão de Glamis. Não pouco espantado ficou o general de ser conhecido por tais criaturas. Mas ainda mais se assombrou quando a segunda delas continuou a saudação, dando-lhe o título de barão de Cawdor, honra a que ele jamais aspirara. E a terceira cumprimentou-o, dizendo:

— Salve, Macbeth, que serás rei um dia!

Esta profética saudação deixou-o ainda mais pasmado, pois sabia que, enquanto vivessem os filhos do rei, não havia esperanças de ele subir ao trono.

Depois, voltando-se para Banquo, elas lhe disseram, em termos enigmáticos, que ele seria “menos que Macbeth e mais do que ele; não tão feliz, mas muito mais feliz”. E profetizaram que, embora ele nunca reinasse, seus filhos, após sua morte, seriam reis da Escócia.

Dito isso, desvaneceram-se no ar. E os generais perceberam que se tratava de bruxas.

Enquanto consideravam a estranheza daquela aventura, chegaram os mensageiros do rei, encarregados de investir Macbeth do título de barão de Cawdor. O acontecimento, tão miraculosamente de acordo com as predições das feiticeiras, deixou Macbeth mudo de pasmo, incapaz de responder o que fosse aos mensageiros. Nesse meio-tempo, brotou em seu coração a esperança de que a profecia da terceira bruxa também se cumprisse, tornando-o um dia rei da Escócia.

Voltando-se para Banquo, disse:

– Não tens esperanças de que teus filhos sejam reis, depois de ver tão maravilhosamente realizado o que as bruxas me prometeram?

– Esperanças como essas — replicou o general — podem levar-te a aspirar ao trono. Lembre: muitas vezes, esses ministros das trevas revelam pequenas verdades apenas para nos induzirem a atos de maiores consequências.

As malignas insinuações das bruxas, porém, tinham calado profundamente no espírito de Macbeth, impedindo-o de levar em conta as sensatas ponderações de Banquo. Desde esse tempo, todos os seus pensamentos se fixaram no trono da Escócia.

Macbeth tinha uma esposa, a quem comunicou a estranha predição e seu parcial cumprimento. Era uma mulher perversa e ambiciosa, para a qual, desde que o marido e ela própria alcançassem grandezas, pouco importavam os meios. Instigou, assim, os indecisos desígnios de Macbeth, a quem repugnava a ideia de sangue, e não cessava de lhe apresentar o assassinato do rei como um passo absolutamente necessário para a realização da tentadora profecia.

Sucedeu então que o rei (o qual, por magnânima condescendência, costumava visitar amigavelmente os principais representantes da nobreza) foi hospedar-se na casa de Macbeth, com seus dois filhos, Malcolm e Donalbain, além de um numeroso séquito de barões e cortesãos. Tencionava, assim, honrar Macbeth por seus triunfos na guerra.

O castelo de Macbeth era bem situado, numa região de clima ameno e saudável, como indicavam os ninhos de andorinhas, construídos em todas as cornijas do edifício — é sabido que tais pássaros se aninham de preferência nos lugares onde o ar é mais salubre.

O rei muito se agradou do local, e não menos das atenções e respeito de lady Macbeth, que dominava a arte de encobrir traiçoeiros desígnios com sorrisos. Parecia ela uma inocente flor, quando era, na verdade, a serpente que sob esta se oculta.

Cansado da viagem, o rei recolheu-se cedo. Em seu quarto, como de costume, foram dormir dois dos seus guardas privados. Ficara o rei encantado com a recepção e distribuíra muitos presentes, entre os quais um precioso diamante a lady Macbeth, a quem chamou de a melhor das suas hospedeiras.

Era noite alta, quando metade da natureza parece morta, estranhos sonhos povoam o espírito dos homens adormecidos e apenas o lobo e o assassino rondam as trevas. Era a hora em que lady Macbeth planejava o assassinato do rei. Não desejava praticar um ato tão contrário ao seu sexo, mas receava que o marido, de natureza suavizada pelo leite da bondade humana, não se atrevesse a cometer o crime. Sabia-o ambicioso, mas ainda cheio de escrúpulos e pouco preparado para os extremos a que a ambição desordenada costuma arrastar. Convencera-o da necessidade dessa morte, mas duvidava da firmeza de ânimo dele. Temia que a brandura da índole dele interferisse nos seus desígnios.

Assim, muniu-se ela mesma de um punhal e aproximou-se do leito do rei. Tivera o prévio cuidado de embriagar os guardas, que jaziam profundamente adormecidos e incapazes de cumprir seus deveres. Também Duncan dormia pesadamente, após a fadiga da viagem. E, como lady Macbeth o observasse com atenção, pareceu-lhe ver, na face do rei adormecido, alguma semelhança com as feições de seu pai. Por isso, não teve coragem de matá-lo.

Voltou para conferenciar com o marido, cuja resolução já começara a vacilar. Considerava ele que havia fortíssimas razões para se opor àquela morte. Em primeiro lugar, não era apenas um vassalo, mas parente próximo do rei. Tendo-o recebido em casa, assumira também, pela leis da hospitalidade, o dever de fechar a porta aos criminosos e não brandir o punhal assassino. Depois, ele considerou que Duncan fora sempre um rei justo e bom: evitava prejudicar seus vassalos; amava a nobreza e, particularmente, a ele, Macbeth. Tais reis são uma dádiva do Céu, e seus vassalos duplamente obrigados a vingar-lhes a morte. Sem falar que, graças aos favores do rei, Macbeth gozava de excelente reputação perante toda classe de homens — honras que ficariam manchadas pela triste fama de tão feio crime.

Nessas lutas interiores, viu lady Macbeth que o marido pendia para o lado melhor, nada disposto a seguir adiante. Mas, como não era mulher que desistisse facilmente dos seus propósitos, começou a insuflar-lhe nos ouvidos inúmeras razões para não desistir do que havia empreendido. Era tão fácil aquilo! Estaria tudo liquidado num instante! E a ação de uma única e breve noite traria, a todas as suas noites e dias vindouros, o gozo da soberania e da realeza! Censurou-o por mudar de resolução, acusando-o de covardia. Disse que bem sabia o quanto uma mulher ama a criança que amamenta. Seria, porém, capaz, no próprio momento em que a criança lhe sorrisse, de arrancá-la do seio e esmigalhar-lhe a cabeça, se tivesse jurado fazê-lo, como ele jurara efetuar aquele assassinato. Argumentou ainda o quanto seria fácil fazer recair a culpa nos guardas embriagados. E criticou com tamanha veemência a indecisão do marido que este mais uma vez reuniu toda sua coragem para pôr em prática a sanguinária façanha.

Tomando então do punhal, atravessou furtivamente a escuridão, até o quarto em que dormia Duncan. Enquanto avançava, julgou ver outro punhal no espaço, com o cabo voltado para ele e a lâmina e a extremidade tintas de sangue, mas, quando tentou agarrá-lo, só encontrou o ar. Não fora mais que uma visão, engendrada por seu espírito perturbado pelo ato que ia praticar.

Vencido o temor, penetrou no quarto do rei, tirando-lhe a vida de um só golpe. Logo que cometeu o assassinato, um dos guardas riu durante o sono e o outro gritou: “Assassino!”. Ambos acordaram, mas apenas fizeram uma curta prece. Um deles falou: “Deus nos abençoe!”. O outro respondeu: “Amém”. E ambos puseram-se de novo a dormir. Macbeth, que parara a escutá-los, tentara pronunciar “Amém” quando o guarda proferia “Deus nos abençoe”, mas, por mais que precisasse de uma bênção, a palavra trancou- se-lhe na garganta.

De repente, ouviu uma voz, que exclamava:

– Não mais dormir! Macbeth matou o sono, o inocente sono que alimenta a vida. — A voz ecoava por toda a casa. — Não mais dormir! Glamis matou o sono e, portanto, Cawdor nunca mais dormirá. Macbeth nunca mais dormirá.

Perseguido por essas horríveis imaginações, Macbeth voltou para junto da mulher, que começava a pensar que ele falhara no seu intento. Em tal estado chegou que ela lhe censurou a falta de ânimo. Ordenou-lhe que fosse lavar as mãos do sangue que as manchava, enquanto lhe tomava o punhal, com o propósito de enodoar de sangue as faces dos guardas, para fazer crer terem sido eles os autores da morte do rei.

Veio a manhã e com ela a descoberta do crime. E embora Macbeth e a esposa fizessem grandes demonstrações de dor e as provas contra os guardas fossem suficientemente fortes, todas as suspeitas recaíram sobre Macbeth, cujas razões para tal crime eram muito mais ponderáveis do que as que poderiam ter os pobres guardas.

Quanto aos dois filhos do rei, Malcolm, o mais velho, procurou refúgio na corte inglesa; e o mais moço, Donalbain, escapou para a Irlanda. Tendo assim os dois filhos do rei, que deviam sucedê-lo, deixado vago o trono, Macbeth, como herdeiro mais próximo, foi coroado. Assim, literalmente realizou-se a predição das bruxas.

Apesar do apogeu em que se achavam, Macbeth e a rainha não esqueciam a profecia das feiticeiras de que, embora Macbeth fosse rei, não os seus descendentes, mas os de Banquo seriam os próximos soberanos. A preocupação de terem manchado as mãos de sangue e cometido tão grandes crimes, unicamente para colocar na posteridade Banquo sobre o trono, de tal modo os atormentava que resolveram matar Banquo e o filho dele, a fim de frustrar as predições das bruxas — tão notavelmente realizadas no seu próprio caso.

Com esse fim, ofereceram um grande banquete, para o qual convidaram todos os principais barões — entre estes, com mostras de particular respeito, Banquo e seu filho, Fleance. Na estrada pela qual Banquo devia passar à noite, a caminho do palácio, ficaram de emboscada uns assassinos a soldo de Macbeth. Banquo foi assassinado, mas, na confusão da luta, Fleance conseguiu escapar. Foi dele que se originou a dinastia de monarcas que depois ocupou o trono da Escócia, findando em Jaime vi da Escócia e i da Inglaterra, sob o qual foram unidas as duas coroas.

No banquete, a rainha, cujas maneiras eram no mais alto grau afáveis e principescas, atendeu aos hóspedes com uma graça e delicadeza que cativaram a todos os presentes. Macbeth falou aos barões e fidalgos, dizendo que tudo o que havia de mais nobre no país se encontraria reunido sob seu teto, desde que não faltasse seu amigo Banquo, a quem preferia ralhar por negligência a lamentar por algo de mau que lhe houvesse acontecido. Justamente a essa altura do discurso, o espectro de Banquo entrou na sala e sentou-se na cadeira que Macbeth ia ocupar. Embora destemido e capaz de enfrentar o diabo sem tremer, Macbeth tornou-se lívido de pavor ante aquela horrível visão e quedou parado no mesmo lugar, o olhar fixo no fantasma. A rainha e todos os nobres presentes, para os quais o espectro permanecia invisível, viram Macbeth olhar aterrorizado para a cadeira vazia e tomaram aquilo por um ataque de loucura. A rainha censurou-o, segredando-lhe que aquilo não passava de uma fantasia igual à que o fizera ver o punhal no espaço. Mas Macbeth continuava a ver o fantasma e, sem se importar com o que os outros pudessem dizer, dirigiu-se a ele em palavras delirantes, mas tão significativas que a rainha, temerosa de que o horrível segredo fosse revelado, despediu apressadamente os hóspedes, atribuindo o estado de Macbeth a ataques de que ele às vezes sofria.

Tais eram as pavorosas visões a que Macbeth estava sujeito. A rainha e ele tinham o sono agitado por sonhos terríveis, e o sangue de Banquo perturbava-os tanto quanto a fuga de Fleance, a quem, agora, consideravam fundador de uma dinastia de reis que tirariam de seus descendentes toda possibilidade de ocupar o trono. Com esses pensamentos, era impossível terem paz. E Macbeth resolveu falar mais uma vez com as bruxas, para que estas lhe revelassem tudo, por pior que fosse.

Encontrou-as numa caverna do pântano, onde, tendo adivinhado sua chegada, elas preparavam os tétricos encantamentos pelos quais conjuravam os espíritos infernais a lhes revelarem o futuro. Seus horrendos ingredientes eram sapos, morcegos, cobras, o olho de uma salamandra, a língua de um cão, a perna de um lagarto, uma asa de mocho, a escama de um dragão, o dente de um lobo, um estômago de tubarão, a múmia de uma bruxa, uma raiz de cicuta (para não perder o efeito devia ser colhida à noite), um fel de bode, o fígado de um judeu e o dedo de uma criança morta. Tudo isso era posto para ferver num caldeirão, que, quando aquecia demasiado, era refrescado com sangue de macaco. Acrescentavam ainda o sangue de uma porca que devorara os filhos e aspergiam o fogo com a gordura escorrida de um assassino morto na forca. Com tal feitiço, obrigavam os espíritos infernais a responderem a suas perguntas.

Indagaram de Macbeth se ele queria suas dúvidas resolvidas por elas mesmas ou por seus senhores, os espíritos. Nada amedrontado com as horríveis cerimônias a que assistira, ele respondeu afoitamente:

– Onde estão eles? Quero vê-los.

Elas invocaram os espíritos, que eram três. O primeiro surgiu sob a forma de uma cabeça armada de capacete, chamou Macbeth pelo nome e recomendou-lhe que tivesse cuidado com o barão de Fife. Por isso, ficou- lhe Macbeth muito grato, pois invejava Macduff, o barão de Fife.

O segundo espírito assomou sob a forma de uma criança ensanguentada, chamou Macbeth pelo nome e recomendou-lhe que não tivesse medo nenhum, que risse do poder humano, pois nenhum homem nascido de mulher poderia lhe fazer mal. Aconselhou-lhe que fosse sanguinário, ousado e resoluto.

– Então vive, Macduff! — exclamou o rei. — Que necessidade tenho de temê-lo? Mas quero sentir-me duplamente seguro. Tu não viverás, para que eu possa dizer ao gélido Medo que ele mente e dormir a despeito do trovão.

Esvaído esse espírito, surgiu um terceiro, sob a forma de uma criança coroada, com um galho na mão. Chamou Macbeth pelo nome e animou-o contra as conspirações. Afirmou que ele nunca poderia ser vencido, a menos que a floresta de Birnam fosse ao seu encontro na montanha de Dunsinane.

– Belos presságios! — exultou Macbeth. — Quem poderá mover a floresta, arrancando-a das suas raízes profundas? Vejo que viverei o período comum da vida humana e não serei ceifado por morte violenta. Mas meu coração palpita de curiosidade. Dize-me, se até aí chega tua arte, se os descendentes de Banquo reinarão algum dia neste reino.

Então, o caldeirão sumiu-se na terra e ouviu-se um som de música: oito sombras, com o aspecto de reis, passaram diante de Macbeth. Banquo vinha por último, trazendo na mão um espelho — todo ensanguentado, sorria para Macbeth e apontava os espectros. Assim, Macbeth ficou sabendo que aqueles eram os descendentes de Banquo, que reinariam na Escócia depois dele. E as feiticeiras, ao som de uma estranha música, dançaram e saudaram Macbeth, desaparecendo em seguida. Desde esse dia, os pensamentos de Macbeth foram todos sanguinários e terríveis.

A primeira coisa de que o informaram ao sair da caverna das feiticeiras, foi que Macduff, o barão de Fife, fugira para a Inglaterra, a fim de se juntar ao exército formado sob o comando de Malcolm, o filho mais velho do falecido rei, com o propósito de depor Macbeth e restituir o trono ao legítimo herdeiro.

No auge do furor, Macbeth assaltou o castelo de Macduff, matando-lhe a esposa e os filhos e estendendo o massacre a todos quantos tivessem o mínimo grau de parentesco com seu inimigo.

Esses e outros crimes afastaram dele todos os seus chefes e a nobreza. Os que puderam fugiram, para se juntar a Malcolm e a Macduff, que agora se aproximavam com o poderoso exército que haviam organizado. Os demais desejavam secretamente o sucesso das suas armas, embora, por medo de Macbeth, não tomassem parte ativa na campanha. Os soldados de Macbeth avançavam sem ânimo. Todos temiam o tirano, ninguém o amava ou venerava. Não havia quem não suspeitasse dele. E Macbeth começava a invejar Duncan, que dormia calmamente no seu túmulo, aniquilado pela traição: nem ferro nem veneno, nem os seus nem os estranhos podiam lhe fazer mal agora.

Enquanto sucediam tais coisas, morreu lady Macbeth, a única cúmplice de todos os seus crimes e em cujo seio encontrava um repouso momentâneo dos terríveis pesadelos que o afligiam à noite. Diziam que ela morrera por suas próprias mãos, por não suportar o remorso e o ódio público. Assim, Macbeth ficou sozinho, sem uma alma que o amasse ou cuidasse dele, sem um amigo a quem fizesse confidente.

Perdeu o amor à vida e suspirou pela morte. Mas a aproximação do exército de Malcolm despertou nele o que ainda lhe restava de coragem e ele resolveu morrer lutando. Além disso, as falsas promessas das feiticeiras o tinham enchido de enganosa confiança. Lembrava-se de que haviam dito que nenhum homem nascido de mulher poderia lhe fazer mal e que somente seria vencido quando a floresta de Birnam avançasse até Dunsinane, o que ele julgava impossível. Assim, fechou-se no castelo, cuja inexpugnabilidade poderia desafiar um cerco: ali esperou sombriamente a aproximação de Malcolm.

Eis que um dia, finalmente, chega um mensageiro, pálido e trêmulo, quase sem voz. Conta, afinal, que, estando na montanha, olhara na direção de Birnam e parecera-lhe que a floresta se movia.

– Escravo mentiroso! — gritou Macbeth. — Se estiveres mentindo, serás pendurado vivo na primeira árvore, até que a fome te mate. Mas se falaste a verdade, poderás fazer o mesmo comigo.

Começava a fraquejar o ânimo de Macbeth. Não sentia medo enquanto a floresta de Birnam não fosse até Dunsinane. Mas a floresta estava a se mover?!

– Quem sabe é verdade? Vamos nos armar e partir. Daqui não posso fugir. Nem quero ficar. Já estou farto da luz do sol e de minha vida.

Com essas palavras desesperadas, saiu do castelo e foi ao encontro dos atacantes, que já haviam fechado o cerco.

Facilmente se explica a escaramuça que dera ao mensageiro a impressão de que a floresta se movia: ao atravessar Birnam, Malcolm, como hábil general que era, ordenara aos soldados que arrancassem ramos de árvores e marchassem com eles à frente, para ocultar o verdadeiro número de suas hostes. Fora essa marcha de ramos que, à distância, assustara o mensageiro. Confirmavam-se, pois, as palavras do espírito, mas num sentido diferente de como Macbeth as compreendera — e assim se esvaiu grande parte de sua confiança.

Travou-se terrível batalha, na qual Macbeth — embora fracamente auxiliado pelos que se diziam seus amigos, mas que o odiavam e na verdade pendiam para o partido de Malcolm e Macduff — se bateu com ímpeto e coragem. Estraçalhou todos com que se defrontou, até chegar ao local onde Macduff lutava. Ao avistá-lo, lembrou a recomendação da feiticeira, de que evitasse Macduff acima de todos os homens, e quis retroceder. Mas foi detido pelo barão, que já o procurara por todo o campo de batalha. Seguiu- se então uma violenta contenda, na qual Macduff acusou-o do assassinato de sua mulher e filhos. Macbeth, cuja alma já estava demasiadamente carregada com o sangue daquela família, ainda quis declinar do combate. Mas Macduff provocou-o à luta, chamando-o de tirano, assassino, monstro e vilão.

Então, lembrou-se Macbeth das palavras do espírito, de que nenhum homem nascido de mulher poderia lhe fazer mal. E, sorrindo confiadamente, disse a Macduff:

– Desperdiças teus esforços, Macduff. Tão fácil seria imprimires no ar os golpes de tua espada quanto me tornares vulnerável a eles. Tenho uma vida encantada, que nenhum homem nascido de mulher pode arrancar.

– Está quebrado teu encantamento — replicou Macduff. — Que o mentiroso espírito que te serve te ensine: Macduff não nasceu de mulher da maneira vulgar que os homens nascem, pois foi prematuramente arrancado, por operação, das entranhas maternas.

Maldita a língua que me diz tal coisa! — gemeu o trêmulo Macbeth, sentindo esvair-se a derradeira certeza. — Que nenhum homem, no futuro, acredite nas imposturas de feiticeiras e espíritos, que nos enganam com palavras de duplo sentido e que, cumprindo literalmente suas promessas, frustram nossas esperanças com um significado diferente.

– Pois vive! — exclamou desdenhosamente Macduff. — Nós haveremos de exibir-te, como os monstros nas feiras, com um cartaz pintado em que estará escrito: “Vinde ver o tirano!”.

– Nunca! — replicou Macbeth, cuja coragem voltava com o desespero.

– Não viverei para beijar a terra diante dos pés do jovem Malcolm e ser insultado com as pragas do populacho. Embora a floresta de Birnam tenha vindo a Dunsinane e tu, meu adversário, não hajas nascido de mulher, ainda assim quero arriscar a última cartada.

Com essas palavras desesperadas, arremessou-se contra Macduff, que, após violenta luta, conseguiu prostrá-lo. E, cortando-lhe a cabeça, deu-a de presente ao jovem Malcolm, o rei legítimo. Este tomou as rédeas do governo, do qual fora por tanto tempo privado, e ascendeu ao trono de Duncan, o Bom, por entre as aclamações dos nobres e do povo.

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